Treme na ponta da língua a palavra, som que repito mas tanto me escapa: balança, alto, rodopia; brisa ascendente, riso alvoroçado. Hora após hora permanece distante — aguardo futilmente o sono mas lá — fulge e arde e sofro em desejo que me consome em sonho aceso de incensos rogados e anos perdidos. Como queria a bênção do olvido: quão suave me seria simplesmente esquecer! E na manhã seguinte acordar sem peso e sem ardor, sem desejo e sem temor pelo sonho impossível que dia após dia à minha frente se manifesta e me rechaça, tão real quanto irascível. 12/4/2022
Dennis Christofer
The Man with the Wind at his Heels
terça-feira, 3 de janeiro de 2023
Treme na ponta da língua a palavra, som que repito mas tanto me escapa: balança, alto, rodopia; brisa ascendente, riso alvoroçado. Hora após hora permanece distante — aguardo futilmente o sono mas lá — fulge e arde e sofro em desejo que me consome em sonho aceso de incensos rogados e anos perdidos. Como queria a bênção do olvido: quão suave me seria simplesmente esquecer! E na manhã seguinte acordar sem peso e sem ardor, sem desejo e sem temor pelo sonho impossível que dia após dia à minha frente se manifesta e me rechaça, tão real quanto irascível. 12/4/2022
terça-feira, 30 de agosto de 2022
Arctos Ardens
Há na noite um lento despertar que toma conta quando pesam os olhos, quando arrefecem os ânimos, silenciam os lábios e as mãos. É tanto um despertar quanto é dormir; é o acordar do âmago, raiar do inconsciente que prenuncia o sonho quando cede o Eu. Aqui, a meio caminho entre o labor e o descanso, entre a terra e a lua, vela o silêncio contemplativo da alma que faz os amantes demorarem-se a admirar as estrelas, como também o fazem os marujos ao horizonte.
É nesse estado que ele observa Orion, Cassiopeia, e o Cruzeiro girarem. Hora após hora permanece distante, luta contra o desejo de retornar, ceder à razão, abandonar o orgulho. Sentiria-se pequeno, impotente, fraco, incapaz, ao admitir — mais uma vez, depois de quantas — que não poderia viver sem ela, que não saberia como, que não é muito diferente das sombras de homens — não mais que espectros — que perambulam pelas ruas pensando apenas na próxima dose. O amor é um vício dos mais terríveis. O que nele agora luta contra tal sentimento arrebatador, tal ímpeto de submissão, e o faz sentar-se no escuro, a ouvir as ondas, ao seu lado na areia o barco que lhe traz o sustento? Orgulho, vaidade, soberba — ou amor-próprio? Seria possível amar a si mais do que a ela? Tomar as rédeas do próprio ser e do próprio destino, após tão intensamente e longamente abandonar-se por completo ao outro?
Na noite que vagarosamente se arrasta, quando de um lado revolvem os astros a amortecer o pensamento e as paixões, de outro a consciência vaga de nosso escatológico lugar no mundo lentamente se instala: sente frio, está só, está cansado e triste. Passadas a raiva, a cólera e a ira, arrefecem também a certeza e a mágoa. A tentação do conforto, do sono, do abrigo — cresce com cada onda que se quebra. Mas voltar para casa em silêncio, abrir a porta da palhoça e enfrentar a derrota que por apenas ali estar se concretiza? A humilhação imposta a si próprio? A galhofa da bravata fracassada? Mais que isso: abandonar a si mesmo, lasso, vítima indefesa de seus próprios sentimentos?
Levantou-se e caminhou até o mar. A água estava morna, remexia-se fulgurando ao refletir os astros, mas a lassidão interior que esta visão há pouco lhe causava agora solidificava-se em certeza terrível, inescapável, absoluta. Ao pé do ouvido sussurravam-lhe Marte, Mercúrio, Saturno. De sob os pés escapava-lhe a areia e o chão. Sabia agora então o que fazer.
Jamais morreria por amor. Antes, mataria.
24/8/2022
segunda-feira, 1 de agosto de 2022
All These Thoughts
tutti i giorni
in mein kopf
a perturbar-me
je ne peux pas
os aguentar
Quod in summa,
a única língua que eu quero
é a sua.
01/4/2022
sexta-feira, 15 de julho de 2022
azul de aço, azul de chumbo, azul de asfalto
anil queimado e toques baços
de baunilha em favos mais ao sul.
Nuvens de aço num céu de asfalto
formam amores em vagos estilhaços
desencontros lentos e partidas breves —
tensos versos, frente fria, febre —
raios perolados a navegar espaços
e luzes celestes a fluir do alto.
os espíritos imundos entraram nos porcos,
aqueles que não podem ver o céu. Assim
rígidos e inertes corpos de homens
imundos mal veem o céu mal triste
porém ambiciosos dele pretendem
à força e a fórceps a felicidade.
correm as naus a dançar com pressa e passo
a passo em frenético assalto esquecem
que a música é lenta e da tumba o bumbo
marca rígido no relógio o compasso —
dois pra lá, dois pra cá
21/12/2021
segunda-feira, 28 de março de 2022
Hoje Embora
ou no silêncio mudo da vigília,
tudo se demora; e nunca é agora,
quando acorda a lembrança triste e frígia —
repleta de outrora, hoje embora.
25/10/2019
quarta-feira, 23 de março de 2022
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022
In Occulto
Um festival de encontros, recheado
de tilintares; entre as vozes,
os copos, os talheres, os pratos.
Estes, também recheados, dançam
balançando o vinho nas taças,
perturbando o coração nos olhares.
Lá, detrás da porta balouçante,
outro festival de encontros.
Nos moldes e nas fôrmas se juntam,
na mão de homens se transformam
e em câmaras secretas, a mágica —
al-quimia.
Aqui, também é química:
também dançamos entre os astros
conjuramos com símbolos insanos
falamos em código e juntos
brincamos de deuses
criadores.
07/04/2020
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022
I want to dig a hole so very deep
Where my bones may be laid upon the sand
And be forgotten in oblivious sleep.
I hate the coffin and the tomb’s six feet;
Instead of begging for a tear or less,
I’d rather have the crows gather and feed
Upon the remains of my filthy carcass.
Worms, my fellows without an eye or ear,
I come to thee free, merry and deceased;
Lest the pain be sharp, please shed me no tear
And feast upon my corpse until you’re pleased.
Remember, there cannot be any worse,
So please do gnaw and chew without remorse.
Tell me then if there’s any torture left
To this body without a soul and dead
among the dead.
sem data, rev. 09/02/2022
sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
Quero teu corpo como o barco na tormenta
quer a terra firme e seca;
quero como mais e inda além alguém deseja
saciar sua sede na fonte lenta.
À tua vista meus pilares tornam-se areia;
titubeio com tua voz,
e cada palavra faz ainda mais estreita
do dia a dia a estrada já atroz.
Como suportar, se intenso amor me é defeso?
Me move a paixão volátil,
e arrisco a explosão de tudo que reteso
quando tenho-te próxima e tátil.
Mas domar Eros é penoso e já não mais
pode Apolo enfraquecido
resistir. Vê-se logo como é fútil por demais
pois bem fui nomeado — Dionísio.
15/12/2021
quarta-feira, 15 de dezembro de 2021
Hic Sunt Dracones
aqui desconhecidos, imersos em breu;
a luz do tempo a dispersar a bruma
da possibilidade, e nas mudas das árvores
o futuro incerto a tornar-se raízes
deslocando paralelepípedos anciões.
Navegando para além do mapa,
segundo a segundo, por sobre as espumas
das ondas que quebram no dorso de dragões
ou de tartarugas gigantescas, behemoths,
vormes da areia a cavalgar as dunas:
avante! bravos exploradores, cada um
que ousa pelas veias de Cronos adiante
dispensar seu passo incerto e rutilante,
desbravando dores e derrotas mil.
A mim me pesam os fardos lá deixados
por Fortuna sobre meus ombros já dobrados,
e avançar me é penoso, e o faço de mal grado.
Sinto que o tempo por mim passa e me ignora,
e feliz estou em permanecer no agora,
esse hoje eternamente de ontens disfarçado.
03/04/2020